Alto número de candidatas com zero voto levanta suspeita sobre candidatas “laranjas” e “fictícias” nas campanhas eleitorais
(Notícias do Dia, 06/02/2018 – acesse no site de origem)
Desde que a lei i 12.034/2009 entrou em vigor, nas eleições de 2010, que são comuns casos suspeitos de candidatas “laranjas” ou “fictícias” para cumprir a cota de 30% de proporção nas campanhas eleitorais. Se por um lado a lei obriga que partidos inscrevam mais mulheres ao pleito, por outro lado não tem garantido a efetiva participação nas campanhas.
Kátia Furttado, a KK Furttado, e Nagila Cardoso, que concorreram nas eleições municipais de 2016, são apenas dois exemplos entre milhares de mulheres que fizeram campanhas sob a promessa de apoio e recursos que nunca vieram. As duas estão entre grupo de candidatas em que a situação é investigada em inquérito da Polícia Federal de Santa Catarina sob suspeita de fraude.
Segundo a delegada Valéria Borba da Silva, que assumiu o caso em outubro do ano passado, a denúncia investiga o destino da cota partidária que deveria ser investida nas candidaturas femininas. “O caso ainda está em fase de análise, devemos ouvir outras pessoas. Ainda precisamos verificar se o partido enganou elas ou se elas aceitaram participar sabendo das condições”, disse afirmando dificuldade de se comprovar a existência de crime nesses casos.
Para KK Furttado, as seguidas promessas de que o partido daria R$ 10,8 mil para cada candidata alimentou uma falsa realidade, o que fez com que ela desistisse da candidatura faltando um mês para as eleições e denunciasse o caso.
“Foi uma frustração quando eu descobri que era tudo de mentira, que eu não teria ajuda nenhuma. Eu descobri que estaria trabalhando de graça para o partido para eleger o candidato a prefeito, porque minha foto estava com a dele no santinho. Eu mesma fui até o TRE para fazer minha denúncia”, contou a reportagem. Na sequência ela fez denúncia no Ministério Público Federal, que encaminhou o caso para a PF.
Sob a mesma promessa, Nagila, que na época tinha como bandeira representar os comerciantes do antigo camelódromo de Florianópolis, demolido em abril de 2016, chegou ao final do pleito com 118 votos. “Eu aceitei a candidatura com um propósito e o partido prometeu apoio. Mas no fim não recebi nenhuma ajuda. Cresci muito nesse processo, foi um aprendizado, mas se existia recurso para aplicar nas mulheres que fizessem e não ficassem só na promessa”, declarou Nagila afirmando que as candidatas não obtiveram informações de onde foi aplicado o percentual partidário destinado ao incentivo das candidaturas femininas.
Pelo menos outras cinco candidatas a vereadoras nas eleições municipais de 2016 foram ouvidas pela Polícia Federal. Todas teriam confirmado as mesmas promessas dos partidos. Ações judiciais também foram ajuizadas nos municípios de Ermo e Turvo, no Sul do Estado, para investigar situações semelhantes.
TRE diz que partidos não aplicam percentual mínimo
A Reforma Eleitoral de 2015 (Lei nº 13.165) alterou a aplicação do Fundo Partidário determinando 5% do total recebido pelos partidos na criação e manutenção de programas que promovam a participação das mulheres na política. Assim como ocorre na lei das cotas, partidos seguem o mesmo exemplo e também burlam a lei da aplicação mínima de recursos em mulheres. Segundo Denise Schlickmann, secretária de Controle Interno e Auditoria do TRE-SC (Tribunal Regional Eleitoral), não são raros os casos em que o Tribunal recebe indícios de irregularidades. “Constantemente verificamos que aplicação desses recursos é feita de forma incorreta ou não é aplicada”, explica.
Denise é responsável pela implantação do curso de Ensino a Distância “Aplicação do Fundo Partidário – Participação das mulheres”, destinado principalmente aos dirigentes de partidos de todo o país. Segundo ela, por mais que exista a lei e toda uma necessidade de ampliação da participação feminina, muitos partidos ainda não sabem como são os trâmites burocráticos, ou ignoram todas as etapas desse processo.
“Esses recursos precisam ser destinados à participação política das mulheres e de forma correta, com ações que efetivamente produzam esse resultado da participação política das mulheres. Inclusive em relação ao financiamento de campanhas de candidatas”, afirma.
Destacando avanços da participação feminina na política, mesmo diante das inúmeras irregularidades verificadas a cada pleito, Denise acredita que o próximo passo seria a reserva efetiva de vagas no parlamento, e não apenas nas campanhas. “A cota de participação normalmente é cumprida em um primeiro momento porque ela é obrigatória. O que se verifica é uma ineficácia da candidatura em si. É aquela candidata que nem em si vota e que apenas figura para cumprir o percentual de candidatas”, conta, apontando que com a reserva “a participação seria de mulheres seria assegurada de forma efetiva”.
Zero voto em 153 candidaturas de mulheres catarinenses
Nas eleições municipais de 2016, 14.417 mulheres terminaram o pleito sem receber sequer um voto, enquanto o número de homens com zero voto foi de 1.714. Em Santa Catarina, 3% das mulheres que se candidataram a uma vaga nas câmaras de vereadores não receberam votos. São 153 mulheres contra 11 homens nesta situação.
Em dezembro daquele ano, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) orientou que os Ministérios Públicos Estaduais investigassem as suspeitas de fraude para cumprir a cota feminina dos partidos.
O MPSC (Ministério Público de Santa Catarina), através do Centro de Apoio Operacional da Moralidade Administrativa remeteu aos Promotores de Justiça do Estado informações sobre possíveis irregularidades em 115 candidaturas do pleito eleitoral de 2016, todas de servidores públicos que teriam “emprestado” nome para as legendas, 70% desses nomes são de candidaturas femininas.
Em algumas cidades catarinenses, o número de mulheres com zero voto chega a atingir mais da metade das candidaturas. É o caso de Abdon Batista, onde seis das 10 mulheres não receberam voto, e em Brunópolis, onde cinco entre nove ficaram na mesma situação. Em Balneário Barra do Sul, sete das 27 candidatas (25,9%) não receberam nenhum voto.
Presidente do Fórum das Mulheres de Partidos Políticos demonstra descrença nas legendas
Rejane Varela, 47, nem se lembra quando foi a primeira vez que ouviu falar em política. Filha de político —o pai foi vereador por cinco mandatos consecutivos em Bom Retiro— desde pequena acompanhava eventos com a presença do pessoal do meio político. Em 2010 foi convidada pela primeira vez a participar de uma disputa eletiva. “Me procuraram e falaram que faltava uma mulher para completar a cota, queriam que eu saísse a deputada estadual e aceitei. Claro que prometeram ajuda, mas no fim não tive nenhum apoio do partido e acabei com 700 votos, enquanto a aposta deles era que eu fizesse 100”, lembra.
Em 2014, depois de trocar de partido, aceitou novamente o convite para se candidatar a deputada federal. “Mais uma vez fui usada para cumprir cota, mas eu sabia que tinha chance se me dessem a oportunidade. Sem nenhum apoio financeiro ou de estrutura fiz 1.400 votos em 61 municípios”, contou.
Desde então, Rejane passou a comandar alas femininas de partidos, até chegar à presidência do Fórum Municipal de Instâncias de Mulheres de Partidos Políticos de Florianópolis. Em 2016, mais uma vez, veio o convite para se candidatar a vereadora. “Mas não aceitei, desta vez eu decidi que poderia escolher e não queria ser mais uma puxadora de votos para os candidatos escolhidos”. Um dia após as eleições, Rejane foi demitida do posto que ocupava na Assembleia Legislativa por indicação do partido. “Não aceitaram que eu não me candidatasse”, emendou.
Faltando menos de um ano para o fim da sua gestão a frente do Fórum ela promete entregar o cargo por descrença. “Enquanto estive nas alas femininas dos partidos nunca conseguir ter acesso ao orçamento do fundo participativo. Na verdade, essas alas são criadas para deixarem as mulheres de fora das decisões políticas dos partidos. Eu acredito que as mulheres merecem e têm capacidade para conquistar seu espaço, mas estou bastante desanimada com tudo”, finaliza.