A nítida ausência de mulheres na política e o necessário ajuste de foco, por Diogo Rais e Luciana Ramos

24 de outubro, 2016

A representação de mulheres no Legislativo brasileiro é pífia. Em um país em que elas são mais da metade da população e a maioria do eleitorado, as mulheres representam aproximadamente 10% das Casas Legislativas no Brasil. No âmbito federal, ocupam apenas 9,9% dos assentos da Câmara dos Deputados. E no ano que vem apenas 13% dos cargos a vereador serão ocupados por mulheres, havendo ainda, diversas Câmaras Municipais sem uma vereadora sequer. Mas se a legislação estabelece uma quota eleitoral de gênero, onde está o gargalo que transforma mais da metade da população em um décimo dos representantes proporcionais?

(Valor Econômico, 24/10/2016 – acesse no site de origem)

Há anos a lei eleitoral criou mecanismos voltados a aumentar a presença de mulheres na política formal. Há normas exigindo sua participação, a atuação da Justiça Eleitoral incentivando a ampliação da voz feminina na política, além da fiscalização e controle realizado pelo Ministério Público e juízes eleitorais.

O Brasil, assim como outros países, adota quotas de gênero para a eleição proporcional de parlamentares, modelo que obriga que cada partido ou coligação preencha o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo. A lei eleitoral também exige a aplicação dos recursos do Fundo Partidário na criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres, observado o mínimo de 5% do total.

Os mecanismos revelam uma preocupação com o problema, mas colateralmente podem ofuscar outro ponto em que há um gargalo para ser combatido: a estrutura partidária. Todas as medidas criadas são instrumentos que conferem ao partido político a decisão de selecionar as candidaturas, distribuir os recursos e o tempo de propaganda eleitoral. Mas o perfil das lideranças partidárias, a ausência de mulheres entre os dirigentes e as falhas na democracia interna dos partidos políticos dificultam a distribuição igualitária de tais recursos, além de afetar a escolha e empoderamento de candidatas dentre o universo de filiados.

Alguns partidos violam a legislação de quotas ao selecionarem mulheres apenas com o intuito de cumprir o percentual mínimo e garantir que a lista do partido seja aprovada pela autoridade eleitoral, sem que sejam dadas reais condições para concorrer. Atribui­se à candidata o número e a formalização de sua candidatura, mas não lhe confere espaço, dinheiro ou apoio.

Como resultado, o perfil da maioria dos eleitos se aproxima do perfil da maioria dos dirigentes partidários e se distancia da pluralidade da população. Com isso, perde­se a oportunidade de atrair diferentes perspectivas para o debate público, fazendo com que as mulheres e toda a sociedade sejam guiadas por leis e políticas públicas definidas por um grupo homogêneo e majoritariamente masculino.

É preciso avançar ajustando o foco de enfrentamento do problema: olhar para o interior dos partidos políticos poderá revelar também outros desafios, além de obstáculos profundos como a resistência e o patriarcado inerentes à sociedade. Uma reforma política adequada tem a missão de repensar as estruturas partidárias a fim de ampliar a igualdade entre homens e mulheres nas casas legislativas. Só assim haverá um espaço de tomada de decisão mais plural e sintonizado, não com os dirigentes partidários, mas sim com o perfil da população.

Diogo Rais é coordenador do Observatório da Lei Eleitoral

Luciana Ramos é coordenadora de Pesquisa Jurídica Aplicada da FGV Direito SPl

Este artigo é resultado de uma parceria entre o “Valor ” e o projeto Observatório da Lei Eleitoral, desenvolvido pela Coordenadoria de Pesquisa Jurídica Aplicada (CPJA) da FGV Direito SP para acompanhar sistematicamente a legislação e a jurisprudência relacionadas às eleições no Brasil

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