(Mariana Sanches, do Blog da Marie Claire) Soninha Francine me recebeu de tênis, camiseta e cara lavada (ela não gosta de maquiagem), em seu bagunçado gabinete de Superintendente do Trabalho Artesanal nas Comunidades, cargo do qual se despede nesta quarta-feira (6). Até outubro ela se dedicará exclusivamente a sua segunda candidatura à prefeitura de São Paulo, pelo PPS. Nas últimas sondagens, Soninha aparece com 5% das intenções de voto, em 5º lugar, mas ainda assim, à frente de Fernando Haddad, o candidato do PT.
De VJ da MTV e colunista de futebol, ela chegou à vereadora de São Paulo em 2004 nos braços do PT, de quem se desfiliou magoada e decepcionada. “Já achei o Lula porreta, mas hoje não gosto mais dele”, afirma. Da presidente Dilma, ela nunca chegou a gostar, diz. Apesar do passado petista, ela compôs a gestão democrata de Gilberto Kassab, a quem gostava de criticar. Entre 2009 e 2010 foi subprefeita do bairro da Lapa. Ficou conhecida pela sua militância por transportes sustentáveis e coletivos (já posou nua abraçada a uma bicicleta e afirma que vai ao trabalho todos os dias de metrô e ônibus) e pela sua verborragia no Twitter. A única mulher candidata em São Paulo tem três filhas: Raquel, de 28, Sarah, de 26 e Júlia, de 15. Nessa entrevista ela fala da corrupção política, de suas propostas, de sua posição a favor da legalização da cocaína e de suas relações com José Serra.
Marie Claire – Você gosta da rotina de candidata?
Soninha Francine – A candidatura menos pesada que eu já tive foi à prefeita, em 2008. Para vereadora, em 2004, foi foda. Foi a primeira e você começa a ter contato com as coisas que… né?!
MC – Que te enojam?
SF – É. As pessoas da política partidária se acostumam com coisas que consideram normais, como você comprar lideranças. Já era surpreendente pra mim ver que as pessoas não faziam campanha de graça, coisa que eu fiz muito. Eu passava no comitê e pegava folheto do PT, ia para a porta de cursinho distribuir, ia a eventos de campanha. Mas quando saí para vereadora, já foram me falando: ‘Hoje ninguém faz mais campanha assim, tem que contratar’. Já achei bizarro. Mas aí você contrata pessoas não para trabalhar para você, mas para transferir para você os votos que em tese ela têm. Você compra a influência que ela tem sobre um grupo de pessoas. Então ela diz para eles: “Já temos candidato, e é fulano”. Do meu ponto de vista é uma compra de votos moderna.
MC- Você não pensou em desistir da carreira política?
SF – Pensei. Quando eu concluí que eu era tão impotente na política quanto fora dela pensei em desistir. Eu virei vereadora porque trabalhar na TV e no jornal era fazer parte da discussão, mas eu queria ter mais poder, queria ao menos ter um voto na discussão. Mas na Câmara Municipal chegou a um ponto em que eu percebi que era impossível, cara. A menos que abrisse mão de tudo em que acreditava antes. Na Câmara, logo que eu me elegi, um vereador do PT me chamou para me “ensinar”. Ele me disse que a palavra chave era acordo. Você faz o acordo e cumpre o acordo senão vira um pária na casa. Fiquei abismada. Foi outro momento de depressão forte. Ele me disse: “Na eleição para presidente da mesa, o fulano e o cicrano decidiram votar em um, depois foram convencidos a mudar de idéia. Tanto que o candidato que ganhou os levou para a casa dele na noite antes da eleição para que eles não mudassem de ideia de novo”.
MC – Como assim? Rolou dinheiro?
SF – Ele não disse explicitamente. Mas sugeriu que sim. E depois disse que os dois tomaram um pau no gabinete dos antigos aliados, apanharam mesmo, levaram até telefonada. E depois não conseguiram aprovar nem lei de nome de rua mais.
O polêmico twitter de Soninha: mais de 70 mil seguidores
MC – Então, se de fato existiu, o mensalão não foi uma invenção do governo Lula?
SF – É claro que não foi o governo Lula quem inventou trocar aprovação de projeto por pagamento. Seja trocar por dinheiro em cash ou por outros favores. Aliás, o tal vereador falou comigo em dinheiro, tudo em tom de brincadeira, claro. Ele dizia: “Todo mundo gosta do vereador fulano, porque o fulano é um barato, está aqui há 30 anos e se você fechar com ele por R$100, podem vir oferecer R$200 que ele não vai, porque ele está fechado com você”. [Soninha não quis dar os nomes dos políticos que teriam protagonizado essa história].
MC – Mas por que então você não desistiu?
SF – Antes eu me torturava porque eu perdia as batalhas, não conseguia aprovar nada. Eu ficava super chateada porque era uma perda de tempo do caralho, uma encenação da porra. Depois me convenci de que eu ia ser a vereadora blogueira e contar tudo o que estava acontecendo ali. Meu papel era perder mesmo, mas eu ao menos registrava meu voto contrário. Precisei criar coragem porque é muito intimidador.
MC – Você temeu pela sua integridade física?
SF – Não a sério, mas se alguém quisesse me derrubar da moto ali era muito fácil. Imaginava que alguma baixaria podia acontecer, sei lá, invasão de privacidade, alguém expor alguma coisa das minhas filhas.
MC – As suas filhas sempre apoiaram sua carreira política?
SF – Mais ou menos. A Raquel é superinteressada, acompanha, sofre. A Sarah é superdesencanada. E a Júlia, que mora comigo agora, fica de saco cheio às vezes. Peguei um email dela para um amigo há quatro anos, tipo assim: “A retardada da minha mãe quer ser prefeita, que idiota!”.
MC – Como você pegou esse email? Costuma dar uma de “stalker” das suas filhas?
SF – Nem a pau, nem a pau mesmo. Ela deixou o computador aberto, em cima da mesa, e eu vi.
MC – Como foi sua saída do PT?
SF – Eu estava sofrendo muito. Meu partido não me dava mais nenhum orgulho. E eu então entendi que não ia sair da política, mas eu também não queria mais Legislativo, queria administração pública, poder executivo.
MC – Como única candidata mulher à prefeitura em São Paulo, você tem alguma proposta para elas?
SF – A situação da falta de creches é desesperadora. Meu, é um inferno não ter com quem deixar o filho. Eu sei, já passei por isso. A mulher sai de casa, às 4 da manhã, deixa o filho dormindo, pede para a vizinha dar uma olhada quando ele acordar, ou paga uma adolescente para cuidar. É uma emergência de dezenas de milhares de mulheres. Sou a favor das mães receberem uma bolsa em creches particulares, como tem para ensino superior, no ProUni, pro ensino médio. Se a mulher não pode ter vaga na creche pública, então que a Prefeitura que pague uma particular.
MC – Você acha que existe preconceito contra mulher na política?
SF – O preconceito se manifesta na hora da divergência. Se você é uma mulher que participa de acordo, não é muito saliente, não inventa moda, não faz a menor diferença se você é homem ou mulher. Mas na hora que você bate de frente, e na mídia esportiva é igual, o arsenal de golpes baixos é maior. Os homens, na pior das hispóteses, vão sair na porrada. A menos que um deles possa ser gay, que aí vai ganhar a pecha de “viado”. Mas no caso das mulheres, tem um puta de um repertório vasto. Ela pode ser perua ou baranga, vadia ou mal amada. É muito mais baixaria.
MC – Você passou por isso?
SF – Passei, na Câmara.
MC – De que te chamavam?
SF – De amante do Serra. É uma ofensa, uma retaliação. Às vezes o próprio PT admitia que o projeto de lei que o Serra mandava era bom. Mas o encaminhamento político era para votar contra, obstruir. Eu ficava tão injuriada com aquilo. E ainda fiquei amiga do Serra, tinha foto minha no futebol do lado dele.
MC – Mas você nunca foi amante do Serra?
SF – E você acha que se eu fosse eu diria numa entrevista?! [Risos]. Não, nunca fui. Aliás, já nem sou mais tão amiga dele quanto já fui e sinto falta porque ele é um amigo muito querido.
O gabinete de Soninha
MC – A imagem pública do Serra é de um homem mal humorado…
SF – Sim, eu tinha a pior imagem do mundo do Serra. Tipo, ECA! Achava ele desagradável. Mas só conhecia da televisão. Quando fui vereadora, ele foi muito surpreendente. E eu comecei a gostar dele tanto quanto eu odiava antes. Ele é muito desagradável às vezes, ele é estúpido sem perceber, daquelas pessoas que dão patadas, sabe?! Claro, é um defeito da pessoa. Mas como político eu acho ele muito foda, o quanto ele sua a camisa, tem raça. Ele é muito caxias, mas não só. Ele vai pra cima das coisas que ele acha que tem que ser feitas, e nisso também ele é estúpido, às vezes, mas daí é uma qualidade. Ele tem uma impaciência que no poder público tem que ter. Ele não deixa não fazer. Pode ser a tampa do bueiro fora do lugar, ele cata o telefone, liga pro secretário e berra que é um absurdo. Ele quer que todas as coisas funcionem.
MC – Ele é o candidato da situação de um governo do qual você faz parte. Por que você não apoiou a candidatura Serra?
SF – Porque eu prefiro a mim mesma como prefeita à ele. Ele é minha segunda opção. Se eu não for pro segundo turno, vou apoiá-lo.
MC – Antes do governo Kassab, você o detestava. Porque depois decidiu aderir?
SF – No segundo turno eu não apoiaria o PT de jeito nenhum, a menos se o Maluf pudesse ganhar. Não me engajei na campanha do Kassab, mas já não tinha ojeriza por ele porque achei que ele terminou bem a gestão do Serra. Não a ponto de pedir voto para ele. E estando folgada como estava a eleição, eu fiquei tranqüila para anular o voto, não consegui digitar 25.
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MC – Você foi vereadora pelo PT, fez parte gestão no DEM e hoje é candidata pelo PPS. Afinal, você é de direita ou de esquerda?
SF – Eu sou de esquerda, mas não coloco isso em termos de escolha moral. Dependendo da pauta, aquilo que a gente chama de conservador é mais esquerda do que de direita. E os liberais mesmo, esse pessoal que escreve a Economist e não os nossos militares de 1964, já defenderam a legalização da maconha dentro do espírito: “Bicho, não é papel do Estado se meter a esse ponto na vida das pessoas”. Muitas pessoas de esquerda não concordam com isso. Em Cuba a homossexualidade é proibida. Uma aberração. Mas eu sou de esquerda porque eu acredito no papel do Estado, na sociedade existem regras e mediações que são papel do Estado. A competição livre não resolve todos os nossos problemas.
MC – Você segue a favor da legalização da maconha?
SF – Sigo, e quando tomo uma decisão não penso se isso é de direita ou de esquerda. Penso no que é melhor para a sociedade. A criminalização das drogas deu muito errado não só porque não protege a saúde dos indivíduos (que, aliás, nem deve ser protegida por policiais armados). Mas o pior é que o crime tem monopólio do comércio da substância e faz o que bem quiser com o dinheiro. São as regras dos crimes que valem nos comércios de cocaína e de maconha.
MC – É a favor da legalização de outras drogas?
SF – Da maconha e da cocaína. Não dá pra legalizar a produção e o comércio de todas as drogas assim como você não vende dinamite para qualquer um. Não dá para legalizar o crack, seria como vender chumbinho no supermercado. Mas criminalizar tudo não deu certo em lugar nenhum do mundo.
MC – O mesmo raciocínio vale para o aborto?
SF – A lei do aborto, creio, é bem intencionada ao pensar no direito sagrado à vida. Concordo com o direito sagrado à vida. Mas na prática, não funcionou. Tornou as coisas piores, com os abortos clandestinos. Deixar o aborto relegado à clandestinidade significa mais mortes. Especialmente entre os mais pobres. Muitas mulheres conseguem interromper a gravidez com seu ginecologista, em uma clínica segura, e milhões de outras, não.
MC – Você se arrepende das coisas que posta no Twitter?
SF – Às vezes sim. Reconheço que, às vezes, eu sou impulsiva no Twitter. E já deveria ter aprendido, desde a minha declaração de que fumava maconha, que as pessoas interpretam as coisas e usam as informações como querem.
MC – E aí o que você faz? Apaga seus comentários?
SF – Não dá para engolir de volta a palavra que você já falou. Então, não apago.