(Fórum, 28/09/2014) A socióloga, fundadora e conselheira do Instituto Patrícia Galvão, Fátima Pacheco Jordão, não consegue ver a candidatura de Dilma Rousseff (PT) à esquerda de seus maiores adversários. Para ela, inclusive, a verdadeira esquerda já deixou o PT. “A esquerda está em candidaturas de pequenos partidos que vieram do PT”.
Em entrevista à Fórum, Jordão analisou alguns números da última pesquisa Ibope, divulgada no dia 23. Em sua avaliação, um dos grandes problemas de Dilma é não conseguir avançar entre os eleitores que consideram seu governo regular. “Na verdade, o ‘regular’ no Brasil está votando na Marina. Entre os que definem o governo como regular – são um terço do eleitorado, 33% -, Marina tem 49%, no segundo turno, e Dilma tem 30%”, afirma.
Jordão abordou também o mau desempenho da candidatura de Aécio Neves, que, de acordo com ela, não preencheu as expectativas do eleitorado. “É um duplo fracasso, porque se em Minas ele foi governador, saiu bem e não tem ressonância, em São Paulo o PSDB domina há muito tempo e tem um governo avaliado como bom”, pontuou, referindo-se ao fato de que o tucano, além de ter dificuldades para eleger seu candidato em seu estado natal, tampouco consegue surfar na onda de Alckmin em São Paulo.
Leia na íntegra a entrevista:
Fórum – Na sua avaliação, Dilma Rousseff tem assumido novos compromissos e resgatado bandeiras históricas do PT? Se sim, por que isso está acontecendo?
Fátima Pacheco Jordão – Dilma foi uma candidata que, ao longo de sua carreira, como candidata e como presidente, ou seja, desde que foi indicada em 2009, 2008 pelo Lula, nunca foi uma candidata plena no PT como tinha sido o Lula no passado. Ela foi contestada; quando o Lula a indicou, havia outras possibilidades – Dirceu, o próprio Mercadante, que já tinha sido candidato em São Paulo. A fila de outros candidatos era muito mais densa politicamente do ponto de vista do PT, a Dilma não estava na frente, tinha a indicação do Lula. No meio do governo Dilma, quando se começou a falar na sucessão, houve uma forte corrente no ano passado dentro do próprio PT que propunha a volta de Lula como candidato – criou-se até o slogan “Volta Lula”. O próprio ex-presidente manteve uma posição tanto quanto enigmática em relação a essa questão, ele descartava mas não descartava; se descartava, no outro dia alguma referência importante do partido avançava com essa proposta. A Dilma nunca teve controle do seu espaço político como candidata do PT.
O PT tem um programa partidário que ela adota parcialmente. Neste momento, como nenhum dos candidatos dos grandes partidos – Aécio e Dilma – tem planos de governo escritos, não sei o que a Dilma efetivamente propõe, o mínimo que posso entender é que é a continuidade do que está. Mas ela também fala em mudanças, e curiosamente, tem uma votação expressiva entre os “mudancistas”. Provavelmente, ela tem, no bojo do seu projeto, mudanças, mas não está explícito. Se ela tem condição de construir essa mudança, é difícil falar a priori, o importante seria saber efetivamente do programa em que pontos se afina mais ou menos com o próprio PT.
Fórum – O atual contexto eleitoral, em que os dois principais adversários de Dilma estão mais à direita do que ela, a empurra para a esquerda?
Jordão – A esquerda está já fora do PT. Você considerar o PT um partido de esquerda é uma convenção, porque o poder econômico do PT é absolutamente consonante com a social-democracia do PSDB e da Dilma – ela não tem variações importantes. A esquerda está em candidaturas de pequenos partidos que vieram do PT. Quem fala em socialismo, socialização dos bens de produção, decisões em conselhos participativos e coletivos é que são partidos de esquerda. Eu não consigo enxergar, de um ponto de vista um pouco mais exigente, a candidatura da Dilma à esquerda da candidatura de Marina ou mesmo de Aécio. Os três partidos são muito conservadores em termos de comportamento. Vejo uma manifestação mais progressista no Eduardo Jorge, ou na Genro, que fala em legalização do aborto, casamento homoafetivo.
Fórum – A última pesquisa Ibope mostra que, em Minas Gerais, Dilma e Aécio estão praticamente empatados, com 32 e 31 pontos, respectivamente. Por que o tucano tem dificuldades de ganhar em seu próprio estado?
Jordão – Primeiro, é uma questão de avaliação de retrospecto do eleitorado que não o tem em tão boa conta como ele diz. Ele saiu com 90% de aprovação e não consegue superar o adversário. Segundo, efetivamente, os petistas têm uma estrutura partidária importante em Minas; seu candidato [Pimentel] tem um desempenho muito melhor do que o Pimenta da Veiga, e tem um enorme apoio do PT, como não tem aqui o Alexandre Padilha. Os partidos não são tão homogêneos como aparentam, se você olha do lado do Aécio em Minas, acho que a situação dele é ainda pior em São Paulo. Em São Paulo, o governador tem uma das mais altas avaliações de ótimo/bom no Brasil – está com 45% -, mas isso não gera votos para o Aécio, pelo contrário, quem lidera no estado é a Marina – tem 32%, Dilma tem 25% e Aécio, apenas 19%. É um duplo fracasso, porque se em Minas ele foi governador, saiu bem e não tem ressonância, em São Paulo o PSDB domina há muito tempo e tem um governo avaliado como bom. De fato, acho que a candidatura de Aécio não preencheu nenhuma das expectativas nem de governança, nem de governabilidade e sequer de representação de mudança. Em um segundo turno “mudancista”, Marina x Dilma têm 49%, a própria Dilma tem 32% entre os “mudancistas”, ou seja, a Dilma representa mais mudanças do que o próprio Aécio.
Fórum – Ainda pelo Ibope, Dilma tem 39% de ótimo/bom, mas 38% de intenções de voto. Em São Paulo, Alckmin, por exemplo, tem 45% de ótimo/bom e 49% de intenções de voto, segundo a mesma pesquisa. Por que Dilma teria essa dificuldade em converter seu índice de ótimo/bom em votos? Parte daqueles que avaliam o governo como regular também não poderia tender a votar em Dilma, como ocorre com Alckmin?
Jordão – Na verdade, o “regular” no Brasil [aqueles que classificam o governo Dilma como regular] está votando na Marina. Entre os que definem o governo como regular – são um terço do eleitorado, 33% -, Marina tem 49%, no segundo turno, e Dilma tem 30%. A avaliação de ótimo/bom não elege de fato, não é por aí que ela vai ganhar. O governo dela não tem fôlego. Se pegarmos outros dados do próprio Ibope, as perguntas com relação ao desempenho de certos setores – inflação, poder de compra, emprego, saúde, educação -, percebemos que quem acha que melhorou vota nela, e quem acha que piorou, na oposição. Mas as pessoas que acham que está igual, não mudou nada, votam na Marina.
Fórum – A senhora vê um descolamento maior nessa eleição entre o desempenho de presidenciáveis e candidatos a governador que os apoiam ou são apoiados por eles nos estados?
Jordão – Total descolamento, com raríssimas exceções. Se pegarmos o caso de São Paulo, não faz sentido Aécio ter 19% nem Padilha ter 8%. OPT teve em São Paulo importantes prefeitos e lideranças, o sindicalismo mais moderno é petista e está em São Paulo, então você vê que há um descolamento. Esses candidatos que os partidos escolhem não têm nada a ver com o que a sociedade pensa. Isso se deve muito ao estreitamento do papel dos partidos. Carmem Lúcia, em entrevista certa vez, disse que não é o sistema partidário que está quebrado, o Estado brasileiro é que está desatualizado. O Brasil está à frente do Estado brasileiro, no sentido executivo, legislativo e judiciário. Isso fica claro quando você tem um país cujo principal líder popular, que é o Lula, chama deputados de “aquele bando de picaretas no Congresso”, isso há muitos anos.
Anna Beatriz Anjos
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