Por que não elegemos mais mulheres?, por Michael Freitas Mohallem e João Benício Vale de Aguiar

19 de setembro, 2016

A presença de mulheres em cargos eletivos é baixíssima no Brasil. Por um lado, é consequência de uma percepção difusa e discriminatória de que o espaço da política é masculino, mas por outro, é, também, uma deficiência da nossa regulação eleitoral. A lei, como uma das ferramentas para combater o problema, procura reverter esse quadro com duas medidas tímidas: define que 30% de todos os candidatos a cargos proporcionais no país sejam mulheres e, desde a eleição de 2016, exige que parte do fundo partidário seja direcionado a elas. Essas regras, porém, não parecem ser capazes de modificar a desigual ocupação dos cargos públicos por homens e mulheres.

(O Estado de S. Paulo, 19/09/2016 – acesse no site de origem)

O primeiro problema é que os partidos fraudam a regra dos 30% e com isso criam uma falsa expectativa de que aumentará o número de eleitas. Entre as eleições municipais de 2008 e 2012, por exemplo, houve um aumento de 10% no número de candidatas para vereadoras sem que houvesse mudança equivalente no número de eleitas. O mesmo não ocorre no caso das prefeitas, cuja eleição é majoritária e a cota não existe. Neste caso, a diferença entre candidatas e eleitas é significativamente menor do que no caso de vereadoras. A simples adequação formal às cotas, portanto, não é suficiente para promover aumento na representatividade feminina.

Leia mais:
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A distorção se repete a cada eleição e tem como causa o registro artificial de candidaturas femininas para a tentativa de cumprimento formal da cota de 30% de mulheres. Muitas são, na verdade, não-candidatas ou simplesmente “laranjas” que tiveram seus números de CPF aproveitados indevidamente.

Essa prática não acontece apenas nas eleições locais. Quando analisamos os resultados das eleições gerais de 2014, é possível identificar que, no recorte dos candidatos colocados dentre os 10% com menos votos, as mulheres representam 75%, ou seja, dos 593 candidatos com pior colocação, as mulheres somam 445. O baixo número de votos, na maior parte dos casos, indica que não houve campanha de fato ou que se trata de campanha sem apoio financeiro do respectivo partido. Não surpreende, portanto, que 3/4 de todas as candidaturas não-prioritárias a deputado federal em 2014 sejam de mulheres.

A segunda dificuldade para ampliar o número de mulheres eleitas é o equívoco na chamada minirreforma eleitoral de 2015 que impôs aos partidos um teto de 15% do montante do Fundo Partidário para o financiamento das campanhas eleitorais de suas candidatas. Ou seja, ainda que os partidos invistam o valor máximo permitido do Fundo Partidário em campanhas de suas candidatas, elas teriam que dividir 15% do valor destinado às campanhas, ainda que, por hipótese, representassem 50% do total de candidatos de determinado partido.

Em outros termos, mesmo que os partidos queiram priorizar as campanhas das candidatas, serão obrigados a gastar 85% dos recursos de campanhas provenientes do Fundo Partidário com candidatos homens, acentuando ainda mais a desigualdade de gênero. No contexto atual, sem empresas financiando as campanhas, o Fundo Partidário tornou-se a mais importante fonte dos partidos, razão pela qual passou de R$ 289 milhões para R$ 819 milhões de reais no orçamento de 2016.

Enquanto a constitucionalidade do dispositivo não é questionada no STF, resta às candidatas buscar recursos de pessoas físicas para compensar a distorção na distribuição de fundos públicos. Tudo indica, entretanto, que as candidatas não terão caminho fácil. A depender unicamente das cotas e do teto de gastos, a trajetória crescente de participação feminina nas casas legislativas e prefeituras não prosseguirá.

Michael Freitas Mohallem é Professor da FGV Direito Rio
João Benício Vale de Aguiar Pesquisador de Iniciação Científica da FGV Direito Rio

[1] Por fins metodológicos, foram afastados do cálculo os candidatos que foram considerados inelegíveis pelo TSE

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