(El País, 25/08/2015) Lei, que havia excluído termo ‘gênero’, tirou menção ao Plano Nacional de Direitos Humanos
Por pressão religiosa, os vereadores de São Paulo aprovaram nesta terça-feira um Plano de Educação ainda mais conservador do que o que estava sendo discutido na Casa e já recebia críticas por grande parte dos educadores. Não apenas se retirou a palavra “gênero” de todo o texto, como católicos e evangélicos pediam desde o final do semestre passado, como também foi excluída a menção ao Plano Nacional de Direitos Humanos, de 2010, que fazia referência à palavra, e à Lei Orgânica do Município, que falava sobre “estereótipos sexuais”.
“Gênero” tem enfrentado resistência na discussão dos planos de educação de diversos Estados e municípios. O argumento dos religiosos é que a inclusão da palavra é uma questão “ideológica” —a chamada “ideologia de gênero”, que pressupõe que cada indivíduo tem o direito de escolher o próprio gênero, sem ser definido, necessariamente, pelo sexo biológico, afirmam. Com esse argumento, já conseguiram retirar a palavra do Plano Nacional de Educação, no ano passado. Também conseguiram que ela fosse retirada do Plano Municipal de Educação de São Paulo, em uma discussão na Comissão de Finanças, no final do semestre passado. E conseguiram que esse texto, com as alterações, fosse aprovado na Câmara Municipal no último dia 11, em primeira votação.
Nesta terça, quando ocorreu a votação final, o plano sofreu novas baixas. Para conseguir garantir que ele fosse votado, a base governista e o PT se articularam com vereadores de outras legendas para apresentar um texto substitutivo ao projeto aprovado no dia 11.
Entre as alterações, estava a mudança no item 3.13, um dos que ainda enfrentava grande polêmica. Ele previa implementar as ações educacionais previstas no Programa Nacional de Direitos Humanos e no Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos. O plano, aprovado em 2010, traz uma ampla série de menções à palavra “gênero”. Entre elas, a meta de “aperfeiçoar o programa de saúde para adolescentes, especificamente quanto à saúde de gênero, à educação sexual e reprodutiva e à saúde mental”.
Outra mudança feita no substitutivo foi na meta 1, que previa ampliar o investimento público em educação para atender ao disposto no artigo 203 da Lei Orgânica do Município de São Paulo. A lei prevê, entre outras coisas, que é dever do município a educação “igualitária, desenvolvendo o espírito crítico em relação a estereótipos sexuais”.
No substitutivo, a referência ao plano de direitos humanos foi substituída pela menção ao Plano Nacional de Educação, o mesmo que no ano passado já havia perdido a palavra “gênero”. Com isso, a citação indireta à palavra desapareceu. A menção à lei orgânica também foi completamente retirada.
Protestos
A polarização sobre o tema marcou a discussão do plano até o final. Na galeria do plenário, grupos favoráveis à inclusão do gênero gritavam: “Se Jesus estivesse aqui, estava do lado das travestis”. E ouviam como resposta dos religiosos: “Respeito, sim! Gênero, não!”.
Do lado de fora, desde as 11h dois carros de som disputavam a atenção, separados por um cordão e vigiados pela Guarda Civil Metropolitana. Um, formado por militantes da Marcha das Mulheres, da Frente Nacional contra a Redução da Idade Penal e da Parada do Orgulho LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais), gritava palavras em prol da educação inclusiva. Outro, formado por diversos fiéis, especialmente de igrejas católicas, pedia respeito à família, e trazia performances de padres e freiras franciscanos que formavam uma banda.
Apesar de já aprovado em primeira votação, o plano ainda poderia sofrer alterações na segunda votação, ocorrida nesta terça-feira. Militantes pró-gênero tinham esperança de que mesmo com a aprovação desse substitutivo, emendas a ele, apresentadas pela vereadora Juliana Cardoso (PT) que traziam a palavra de volta fossem aprovadas, mas a pressão da igreja foi maior e mesmo isso foi rejeitado.
Ao menos quatro religiosos haviam se manifestado contra a “ideologia de gênero” publicamente neste ano. “Os que adotam o termo gênero não estão querendo combater a discriminação, mas sim desconstruir a família (…) e, deste modo, fomentam um estilo de vida que incentiva todas as formas de experimentação sexual desde a mais tenra idade “, afirmou Dom Fernando Arêas Rifan, bispo da Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney (Rio de Janeiro), em uma nota publicada pela Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). “O cardeal Dom Odilo Pedro Scherer, arcebispo metropolitano de São Paulo, divulgou uma nota, em que disse que “as consequências de tal distorção antropológica na educação poderão ser graves”. “Os legisladores [devem evitar] a ingerência do Estado no direito e dever dos pais e das famílias de escolherem o tipo de educação dos filhos”, completou.
Na tarde desta terça, vereadores reclamaram que a discussão sobre gênero ofuscou outros pontos importantes do novo plano de educação.
O novo substitutivo, aprovado na votação, aumentou a verba destinada para a educação no município para 33%, cerca de 700 milhões de reais a mais do que o Orçamento atual, e determinou que o número máximo de alunos por sala no ensino infantil é de 25.
O que mudou
META 1
Como era: Ampliar o investimento público em educação incorporando por acréscimo, quando da regulamentação federal, os recursos provenientes da previsão do financiamento da Educação determinado na Meta 20 do Plano Nacional de Educação, objetivando o atendimento ao disposto no artigo 203 da Lei Orgânica do Município de São Paulo.
Como ficou: Ampliar o investimento público em educação, aplicando no mínimo 33% (trinta e três por cento) da receita resultante de impostos em manutenção e desenvolvimento do ensino e em educação inclusiva.
O que mudou: Retirou a referência ao artigo 203 da Lei Orgânica do Município de São Paulo, que diz o seguinte: “É dever do Município garantir a educação igualitária, desenvolvendo o espírito crítico em relação a estereótipos sexuais, raciais e sociais das aulas, cursos, livros didáticos, manuais escolares e literatura”
META 3.13
Como era: Implementar a Educação em Direitos Humanos na Educação Básica e as ações educacionais previstas no Programa Nacional de Direitos Humanos – PNDH-3 e no Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, observando as diretrizes curriculares nacionais.
Como ficou: Implementar a Educação em Direitos Humanos na Educação Básica, com ênfase na promoção da cidadania e na erradicação de todas as formas de discriminação e preconceito, em consonância com o inciso III do art. 2º do Plano Nacional de Educação, aprovado na forma da Lei Federal nº 13.005, de 25 de junho de 2014
O que mudou: Retirou a menção ao Programa Nacional de Direitos Humanos – PNDH-3 e no Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, que traziam a palavra gênero e colocou a referência ao Plano Nacional de Educação, que não traz a palavra
Talita Bedinelli
Acesse no site de origem: Por lobby religioso, São Paulo aprova plano de educação mais conservador (El País, 25/08/2015)