A terceira reportagem da série que homenageia a UnB e os seus 55 anos de história mostra a luta de uma transexual para a conquista de espaço dos LGBTs no meio acadêmico
Alunos transexuais podem ser identificados por seus nomes sociais nos documentos internos da Universidade de Brasília (UnB), como carteiras de estudante, listas de chamada e crachás. A decisão do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Cepe) vale desde 2012. No entanto, a instituição nunca a regulamentou de fato. Com isso, entre outros problemas, o nome social do estudante trans não aparece nos sistemas virtuais. Se o professor não tiver a boa vontade de lançar as notas de acordo com o número da matrícula, o universitário fica sem avaliação e perde o semestre letivo da disciplina.
(Correio Braziliense, 23/03/2017 – acesse no site de origem)
Para mudar essa e outras realidades, Lucci Laporta, 24 anos, mulher transexual, decidiu se tornar militante. Estudante de serviço social, ela organiza manifestações e debates no meio acadêmico. Também dialoga com representantes da instituição que cuidam das questões relacionadas à diversidade. Para ela, o transfeminismo tem ganhado espaço na UnB, mas precisa de mais visibilidade. “Não há sequer um censo sobre trans, gays e lésbicas. Isso é fundamental para a criação de políticas para LGBTs”, exemplifica.
Lucci ingressou na UnB em 2011, quando deu início à militância. “A primeira batalha foi para que o feminismo lutasse pelo transfeminismo. No início, nós (os transexuais) estávamos fora dessa luta. Sofríamos preconceitos até de feministas”, conta ela. Lucci sentiu rejeição por parte de vários estudantes e professores de diversas áreas. “Eu e muitos transexuais fomos reprovados em disciplinas irregularmente, por causa da falta do nome social no sistema da UnB. Teve alunos trans que ouviram grosserias de professores e só conseguiram reverter a reprovação por meio de ação disciplinar.”
Sem perspectiva
Lucci se considera uma trans privilegiada, porque a maioria não consegue sequer concluir a educação básica. “As escolas são tomadas pela transfobia. Dessa forma, primeiro, uma pessoa transexual é expulsa da escola. Depois, de casa. Por fim, acaba na rua, onde tem que se prostituir para sobreviver”, comenta. Enredo respaldado por números. Cerca de 90% dos transexuais e travestis no Brasil recorrem à prostituição por falta de outras opções de trabalho, segundo a Agência Nacional de Travestis e Transexuais (Antra).
Além de poucos transexuais ocuparem as universidades, menos ainda chegam a ser pesquisador, professor, por causa do preconceito e das políticas voltadas a essas pessoas, denuncia Lucci: “A transfobia está institucionalizada na sociedade e na universidade. O nome social é precário. Falta à elite acadêmica compreender as necessidades reais das pessoas trans e interpretá-las de forma ampla, com educação e informação. Os sistemas de seleção para a docência, por exemplo, são excludentes”.
A universitária considera urgente a necessidade da regulamentação do nome social na UnB e um esclarecimento aos servidores por meio de palestras, seminários, sobre o que é a transexualidade. “A universidade precisa fazer a comunidade acadêmica entender e respeitar as pessoas trans. Ensinar, por exemplo, como se dirigir a uma mulher e a um homem trans, quais as diferenças”, observa. Ela também reivindica banheiros para transexuais nos câmpus e um laboratório no Hospital Universitário (HUB) para atender essas pessoas.
Rejeição em casa
A militante de aparência frágil, mas palavras fortes, acredita que só chegou à universidade por não ter se revelado uma trans na infância nem na adolescência. “Eu me assumi aos 17 anos. O meu pai já havia morrido. A minha mãe nunca me aceitou. Saí de casa há seis anos, por causa disso. Converso com o meu irmão”, relata. Nascida em São Paulo, Lucci se mudou com a família para Brasília em função da transferência do pai, servidor da Caixa Econômica Federal, quando ela tinha 10 anos. Morou até os 14. Depois, a família voltou para a capital do país, quando ela tinha 17.
Na UnB, Lucci ganhou amparo em meio aos colegas e professores do curso de serviço social. Por meio do WhatsApp, criou um grupo de alunos transexuais e lésbicas. Até ontem, era composto por 22 pessoas. “Acredito que a UnB tenha o dobro. O que, comparado aos cerca de 35 mil matriculados, é quase nada. Portanto, somos a minoria das minorias”, pondera. Mais recentemente, por meio do coletivo Juntas, as mulheres transexuais se uniram ao movimento feminista na luta por conquistas no universo acadêmico.
Renato Alves