Ativistas alertam que violência durante relações sexuais que começaram de forma consentida é um problema mais comum do que parece.
(BBC, 29/11/2019 – acesse no site de origem)
Uma pesquisa da BBC Radio 5 sugere que um terço das mulheres com menos de 40 anos no Reino Unido já apanharam, foram estranguladas ou receberam cuspidas não desejadas durante o sexo.
De todas as mulheres que tiveram esse tipo de experiência, incluindo casos onde os atos foram desejados, cerca de 20% disseram que se sentiram magoadas ou ficaram com medo.
A britânica Anna, de 23 anos, diz que sofreu atos de violência não desejados durante o sexo consentido em três ocasiões diferentes, com homens diferentes.
Ela diz que uma das situações começou com puxadas de cabelo e tapas — e depois o homem tentou enforcá-la.
“Eu fiquei chocada”, diz ela. “Me senti extremamente desconfortável e intimidada. Se alguém te estapeasse ou enforcasse na rua, seria um caso de agressão.”
A jovem só percebeu o quão comum isso era ao conversar com amigas sobre o caso.
“Daquela vez em diante, praticamente todos os caras tentaram ao menos uma, quando não foram várias, dessas ações.”
Em outra ocasião, diz ela, um homem a estrangulou durante o sexo — sem consentimento ou aviso. Anna, que se formou na universidade neste ano, diz que teve outro parceiro que lidou com ela tão violentamente que ela ficou machucada e com dor por dias.
“Eu sei que algumas mulheres vão dizer que gostam disso. Mas o problema é os homens assumirem que todas as mulheres querem isso”, diz ela.
A pesquisa encomendada pela BBC Radio 5 entrevistou 2 mil mulheres entre 18 e 39 anos no Reino Unido.
Mais de um terço delas (38%) sofreram violência não desejada durante o sexo. Cerca de 31% disseram ou que nunca passaram por isso ou que passaram, mas que os atos violentos foram desejados e consensuais. Cerca de 31% preferiram não responder.
O Centro de Justiça para as Mulheres, ONG que combate violência contra mulheres na Inglaterra e País de Gales, afirmou à BBC que os números mostram uma “crescente pressão sobre mulheres jovens para que elas concordem com atos violentos, perigosos ou degradantes”.
“Isso provavelmente é resultado da grande disponibilidade e normalização de pornografia de extrema violência”, diz a entidade.
Adina Claira, presidente da Women’s Aid, ONG britânica focada em violência doméstica, diz que isso indica “o quão frequente é que mulheres com menos de 40 anos sofrem violência sexual com parceiros com os quais elas concordaram em fazer sexo e que acabam as humilhando e amedrontando.”
“Consentimento para o sexo não diminui a gravidade de um ato de violência como estapear ou estrangular alguém”, diz ela.
‘Fiquei aterrorizada’
Emma (nome fictício), de 30 e poucos anos, tinha acabado de sair de um longo relacionamento quando teve uma relação casual.
“Acabamos indo para cama e durante o sexo — sem aviso — ele começou a me estrangular. Eu fiquei aterrorizada. Eu não falei nada na hora porque, no fundo, me senti muito vulnerável, senti que aquele homem poderia me dominar [se eu reagisse]”, diz ela.
Emma também atribui o problema à influência da pornografia. “Eu senti que eram coisas que ele tinha visto na internet e queria praticar na vida real.”
Nem todos os casos ocorrem com parceiros casuais, no entanto — a violência sexual em relações consentidas em relacionamentos longos é igualmente comum.
A pesquisa mostrou que, entre as mulheres que foram estranguladas ou estapeadas durante o sexo, 42% se sentiram pressionadas ou forçadas a aceitar os atos.
Normalização da violência
O psicoterapeuta Steven Pope, especializado em sexo e relacionamentos, diz que recebe pacientes lidando com os impactos negativos de atos do tipo “dia sim, dia não”.
“É uma epidemia silenciosa”, diz ele. “As pessoas fazem porque acham que é o normal, mas pode ser muito negativo.”
“O que vemos é que, para muitos, isso desvaloriza o relacionamento ou, pior, a violência se torna aceitável.”
Sua preocupação é que muitos que praticam esse tipo de violência não estão cientes dos riscos.
“As pessoas me procuram quando a estrangulação passou do limite e eles chegaram a ficar inconscientes por um longo tempo”, diz Pope. “A questão é que a estrangulação é sempre algo de alto risco, é algo que as pessoas não pensam.”
A ativista Fiona McKenzie diz que os resultados da pesquisa são assustadores.
“Eu ouço frequentemente depoimentos de mulheres que foram estranguladas, estapeadas, receberam cuspidas, socadas ou sofreram abuso verbal de homens com quem elas começaram a fazer sexo de forma consentida”, diz McKenzie. “Em muitos casos, as mulheres se sentiam muito incomodadas, mas não eram capazes de reconhecer a experiência como a agressão traumática que ela é.”
McKenzie criou o grupo We Can’t Consent to This (Não Podemos Dar Consentimento a Isso, em tradução livre), depois de notar um aumento no número de casos de mulheres mortas durante “jogos sexuais que deram errado”, em que os homens usavam o consentimento ao sexo dado pela mulher como defesa ou forma de mitigar o homicídio.
Anna, a jovem de 23 anos que sofreu a violência, diz que o sexo se tornou algo muito centrado no homem. “Se tornou algo tão influenciado pela pornografia que não sobra espaço para a mulher.”
“Eram caras normais. Não havia nada em comum entre eles, tirando o fato de que provavelmente consumiam pornografia. Eles assistem e assumem que é algo que a mulher quer, mas não perguntam.”
A pesquisa feita pela BBC vem na esteira de casos recentes em que homens usaram a desculpa do “sexo selvagem” como defesa em crimes — como no caso da britânica Grace Millane. O homem que foi condenado por seu homicídio alegou que a morte foi resultado de uma “brincadeira” sexual com sadomasoquismo que deu errado.
No entanto, praticantes de sadomasoquismo afirmam que quem de fato é adepto à prática segue regras de segurança para que não aconteçam acidentes, como não beber antes do sexo, combinar uma palavra ou gesto de segurança (para sinalizar que o ato seja imediatamente interrompido) e que os atos sejam sempre consentidos.
Por Alys Harte