“Será que deveríamos estar mais preocupados com as crianças e os adolescentes fora de casa ou dentro de casa?”
“Então. Talvez eu revire algumas coisas aí em você agora. É possível que esse vídeo abra algumas portas horríveis aí dentro que você passa todos os dias da sua vida tentando fechar”, avisa Julia Tolezano, a youtuber Jout Jout, logo no início do vídeo “O vídeo mais importante deste canal”, publicado nesta semana.
(Huffpost Brasil, 31/07/2019 – acesse no site de origem)
As “coisas” que podem revirar e as “portas” que eventualmente serão abertas, citadas por Jout Jout, dizem respeito a um tema delicado, necessário e, sobretudo, urgente no Brasil: violência sexual contra crianças e adolescentes.
“A probabilidade deste vídeo ser um gatilho para qualquer pessoa que esteja vendo ele agora ― menino, menina, qualquer pessoa ― é bem grande”, continua, ao também pedir desculpas às pessoas que sejam afetadas pelo conteúdo. “Queria que esse vídeo fosse tão desnecessário, que ele nunca tivesse que ser feito. É que ele não é só necessário, é urgente”, explica.
A “urgência” percebida é fruto da imersão de um mês que Tolezano fez em Manaus (AM), em fevereiro deste ano. Lá, Jout Jout acompanhou o trabalho da ONG IACAS (Instituto de Assistência à Criança e ao Adolescente Santo Antônio), que combate violência sexual contra crianças e adolescentes.
Respaldada não só por sua experiência no Amazonas, mas também por dados oficiais disponíveis sobre o tema, Jout Jout criou um vídeo de cerca de 40 minutos — tempo muito superior à media de suas publicações sobre o tema.
Nele, ela explora as nuances deste tipo de crime: lança luz sobre as razões históricas da subnotificação especificamente no Brasil, explica a importância da criação de redes de apoio às crianças e de uma educação para a mudança.
“Imagina a minha surpresa quando elas me dizem que quase 100% dos casos acontece dentro de casa, com a família da vítima?”, diz Jout Jout, referindo-se a informações que obteve em conversas com especialistas da ONG.
Estudos do Boletim Epidemiológico, da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, apontam que entre 2011 e 2017 foram registrados cerca de 184.524 casos de violência sexual, sendo 58.037 (31,5%) contra crianças e 86.068 (45%) contra adolescentes no Brasil.
Ao avaliar as características dos abusos, o Boletim revela que 69,2% dos casos envolvendo crianças ocorreram dentro da própria casa; 4,6% ocorreram em ambiente escolar. Entre as ocorrências envolvendo adolescentes, 58,2% ocorreram em casa e 13,9% em via pública.
Apesar de os números serem alarmantes, fatores humanos e sociais fazem com que o mapeamento que retrate a realidade do número de casos seja incipiente, considerando que, em sua grande maioria, são subnotificados.
“Será que deveríamos estar mais preocupados com as crianças e os adolescentes fora de casa ou dentro de casa? Os os dois? (…) Talvez o nosso medo dos desconhecidos na rua esteja protegendo os conhecidos de casa”, pontua Jout Jout.
Uma imersão que se transformou em série especial
“O vídeo mais importante deste canal” é só o primeiro de uma série de outros conteúdos que foram produzidos pela youtuber sobre o tema e que serão divulgados aos poucos em seu canal. Em cinco anos de projeto, Jout Jout tem cerca de 2 milhões de seguidores e já pautou discussão sobre temas ligados à violência contra a mulher como no vídeo “Não Tira o Batom Vermelho”.
Jout Jout diz que “se esse vídeo conseguir dar um peteleco nessa discussão e se isso fizer com que menos pessoas sintam essa dor, eu acho que já valeu a pena”. Na descrição do vídeo, ela destaca o Disque 100, do Governo Federal, o App Proteja Brasil e o Mapa do Acolhimento, que são, respectivamente, canais denúncia e são uma forma se engajar no combate a este tipo de violência.
Por Andréa Martinelli