Nestas eleições, são 55 candidaturas, a grande maioria de mulheres trans e travestis. “A população trans entendeu que não adianta participar da política passivamente”, afirma Keila Simpson, da Antra.
(HuffPost Brasil, 25/09/2018 – acesse no site de origem)
“Quando você ouve uma pessoa trans falar o seu ouvido se abre um pouco mais. É alguém que sempre está na subalternidade, em segundo plano, mas quando pega um microfone e sabe falar – e não é falar o que você quer ouvir, é falar da sua vivência, do seu cotidiano, da sua experiência de vida – isso é muito mais potente”. É assim que a presidente da Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), a ativista Keila Simpson, define a importância de termos, neste ano, mais de 50 candidatas travestis e transexuais concorrendo a cargos no Legislativo.
Nestas eleições, são 55 candidaturas, a grande maioria de mulheres trans e travestis. Deste total, uma candidata tenta uma cadeira no Senado, 18 disputam uma vaga na Câmara dos Deputados e outras 36 nas assembleias legislativas nos estados e no Distrito Federal. O número combina as informações levantadas pela Antra com os dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) referente aos 27 candidatos e candidatas trans que solicitaram a utilização do nome social nas urnas, conforme decisão do tribunal em março deste ano.
O fator determinante é que a população trans entendeu que não adianta participar da política passivamente, tem que participar ativamente.
Keila Simpson, em entrevista ao HuffPost Brasil.
O uso do nome social também foi estendido aos eleitores trans, que puderam corrigir os dados no título de eleitor. Hoje 6.280 eleitores que fizeram a solicitação de uso do nome social ao TSE estão aptos a votar. O tribunal definiu ainda que é o gênero e não o sexo biológico que deve ser considerado para cota prevista na Lei das Eleições, assegurando que mulheres trans devem ser beneficiadas pela cota determinada às candidatas do gênero feminino.
Embora as decisões do TSE fortaleçam as candidaturas, elas não foram determinantes para o aumento no número de pessoas trans nas eleições neste ano, avalia Keila Simpson, da Antra. “O fator determinante é que a população trans entendeu que não adianta participar da política passivamente, tem que participar ativamente”, afirma. “O avançar de um conservadorismo também faz com que as pessoas se sintam com vontade de reagir dessa forma, se candidatando para fazer um contraponto nesse discurso falso moralista”, completa.
O fortalecimento das candidaturas de pessoas trans
Pelos dados da Antra, cinco pessoas trans concorreram às eleições de 2014. Para a presidente da associação, mesmo que nenhuma delas tenha sido eleita, o pleito daquele ano foi um marco político importante. Nas eleições municipais em 2016 foram 85 candidatas em um universo de 496.895 candidaturas registradas.
Keila lembra que as pessoas trans que geralmente se candidatam já tem um histórico no movimento social. “Não são pessoas que aparecem só nas eleições. São ativistas, atuantes nas suas localidades, no movimento social. Eles passam o ano inteiro trabalhando nas suas localidades e, quando chega o pleito eleitoral, despontam e saem como candidatas. São pessoas que tem bagagem de movimento social e, a partir dessa bagagem, entram nessa disputa firme e forme”, diz a ativista.
Eles passam o ano inteiro trabalhando nas suas localidades e, quando chega o pleito eleitoral, despontam e saem como candidatas.Keila Simpson, em entrevista ao HuffPost Brasil.
Nas urnas neste 7 de outubro, o estado de São Paulo tem o maior número de candidaturas: oito deputadas estaduais e quatro federais. Neste levantamento, a reportagem encontrou apenas um homem trans concorrendo a um cargo eletivo nestas eleições. É Júlio César da Silva, candidato a deputado federal pelo Psol na Paraíba.
O HuffPost Brasil conversou com três destas candidatas: Duda Salabert, candidata ao Senado pelo Psol em Minas, Giowana Cambrone, candidata à Câmara dos Deputados pela Rede no Rio de Janeiro e Robeyoncé Lima, candidata a deputada estadual em Pernambuco. Conheça um pouco das suas histórias e dos seus projetos políticos.
Duda Salabert, candidata ao Senado pelo Psol em Minas Gerais
A professora de literatura, educadora popular e ambientalista Duda Salabert, 36 anos, é a primeira mulher trans a concorrer a uma cadeira no Senado. Filiada ao Psol há dois anos, ela conta que sua principal bandeira não é a diversidade, mas sim a educação.
Há três anos ela criou a ONG Transvest, que oferece cursos pré-vestibular e de idiomas gratuitos para travestis e transexuais em Belo Horizonte e atualmente atende cerca de 100 pessoas. No ano passado, a organização foi responsável pela criação da primeira casa de acolhimento de pessoas trans e situação de rua e, neste ano, deu início a um curso voltado para profissionais do sexo, ambulantes e camelôs que atuam na região central da cidade.
Duda conta que a sua decisão de se candidatar ao Senado extrapola o conceito de representatividade e tem caráter simbólico. A palavra Senado significa senhores, explica. “Se é um espaço para senhores, nada mais político que uma travesti querer penetrar esse espaço”, afirma. Mas o simbolismo de sua candidatura não para por aí. “Até a última eleição, a idade mínima para disputar esse cargo era 35 anos. 35 anos é a expectativa de vida de uma travesti no Brasil”, diz a candidata.
É necessário a gente ocupar os espaços políticos na busca de uma transformação mais profunda.
Duda Salabert, em entrevista ao HuffPost Brasil.
Se eleita, ela promete batalhar pela educação pública, defendendo a revogação da Emenda Constitucional 95 – que congelou o aumento dos gastos públicos por 20 anos -, e propondo o perdão da dívida do Fies. A candidata também promete lutar por maior rigidez na legislação ambiental.
Minas Gerais é o único estado que tem mulheres trans pleiteando os três cargos legislativos disputados nessas eleições. Além de Duda, Leandrinha Du Art é candidata a deputada federal, e Juhlia Santos a deputada estadual, também pelo Psol. “É necessário a gente ocupar os espaços políticos na busca de uma transformação mais profunda”, afirma Duda.
A professora conta que tem sido alvo de violência e ataques de ódio pela internet desde o lançamento da sua pré-candidatura, e inclusive teme que eles ameacem sua estabilidade profissional após as eleições. Porém, não pretende desistir. “É necessário estar na política para tentar dilatar a democracia e tentar colocar como pauta temas que são historicamente excluídos. Se eu tiver que dar um passo para trás para que meus pares deem três passos para frente, eu o farei”.
Duda reforça ainda a necessidade do diálogo em tempos de ódio. “Não tem transformação sem diálogo. E esse diálogo não pode usar a mesma ferramenta e o mesmo tom que esses setores imprimem sobre nós, que é o tom do ódio”, afirma. “É difícil, mas é necessário”, completa.
Giowana Cambrone, candidata a deputada federal pela Rede no Rio de Janeiro
“Os corpos de pessoas trans são constantemente estigmatizados, silenciados e invisibilizado, então é muito significativo qualquer pessoa trans ocupando espaços de poder e espaços diretivos, ainda mais dentro de um partido político”, conta a advogada e professora universitária Giowana Cambrone, 38 anos, que faz parte da Rede desde a sua fundação. Entre 2012 e 2013, a partir de uma conversa que teve com Marina Silva, ela passou a integrar a equipe e ajudou na coleta de assinaturas para o registro do partido. Até se candidatar a deputada deputada federal nestas eleições, Giowana fazia parte da Executiva Nacional da Rede.
A advogada comemora o número de candidatas trans no pleito eleitoral deste ano. “Além de se reconhecerem como sujeitos de direito, estão se conhecendo como um cidadãs dignas de ocupar espaços públicos e espaços na política. Isso é muito importante e significativo e, na verdade, consolida uma tendência que já vinha acontecendo na última eleição”, afirma.
Giowana também lembra as decisões do TSE sobre o uso do nome social e da cota partidária como importantes reconhecimentos dos direitos políticos das pessoas trans. “Numa democracia que pretende ser representativa, é importante a participação de todos os grupos sociais, sobretudo as populações que compõem uma minoria.”
É um papel pedagógico, de ensinar as pessoas a lidar com a diferença, a respeitar a diversidade e pluralidade.
Giowana Cambrone, em entrevista ao HuffPost Brasil.
Ela considera que o papel de quem está na linha de frente do combate ao preconceito no cenário de avanço do conservadorismo é didático. “É um papel pedagógico, de ensinar as pessoas a lidar com a diferença, a respeitar a diversidade e pluralidade, de fazer que as pessoas vejam que é normal ser diferente […] nas minhas falas, eu também busco mostrar para as pessoas o quanto nós somos parecidos naquilo que mais nos aproxima, que é a nossa humanidade”, explica a ativista.
Se eleita, a candidata diz que seu trabalho será orientado pela defesa de princípios como o da liberdade, da igualdade e sustentabilidade, que, na sua visão, estão sob ameaça. “Eu digo que chegou a hora do ‘traviarcado’. Já que o patriarcado não deu conta de criar uma política que fosse realmente democrática, garantindo a participação de todos, talvez agora seja o momento do ‘traviarcado’ dar a sua contribuição para a sociedade”, completa.
Robeyoncé Lima, candidata a deputada estadual pelo Psol em Pernambuco
Mulher trans e negra, Robeyoncé Lima é co-candidata a deputada estadual em Pernambuco pela chapa coletiva Juntas, do PSol. Com outras quatro mulheres, disputa uma cadeira na Assembleia Legislativa do estado. Ela conta que sua atuação política começou ainda na militância do movimento estudantil no curso de Direito da Universidade Federal de Pernambuco. “A gente faz a militância com o próprio corpo, porque o nosso corpo é político. Só o fato de estar em um ambiente como esse, totalmente elitizado, é um ato político”, afirma. Em 2017, depois de formada, ao 28 anos, Robeyoncé foi a primeira advogada trans a ter o direito de usar o nome social na OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e hoje é servidora na própria UFPE, como técnica-educacional.
Seu primeiro envolvimento com a política institucional foi como assessora jurídica do vereador Ivan Morais Filho, do Psol, em Recife. Neste ano, foi o sentimento de inconformismo que a levou para a disputa de um cargo na Assembleia Legislativa do seu estado. “E qual é a opção senão se inserir socialmente e politicamente nesses espaços? A gente tem que estar lá para fazer alguma coisa mudar”, afirma Robeyoncé.
Se a gente não tiver nesse contexto, inseridas nesses sistemas políticos, a política não vai fazer nada pela gente.
Robeyoncé, em entrevista ao HuffPost Brasil.
“Depois do golpe a gente teve uma intensificação das opressões, tanto em questões de classe, quanto de gênero e raça. Estava me questionando se eu ficasse inerte de certa forma eu estaria colaborando para essa opressão. Aí resolvi incidir diretamente nesse sistema marcando corpo presente”, explica. Como representante da comunidade LGBT em busca de um espaço na política representativa ela avisa: “se a gente não tiver nesse contexto, inseridas nesses sistemas políticos, a política não vai fazer nada pela gente.”
Se eleitas, Robeyoncé e suas companheiras de chapa terão como prioridade políticas voltadas para os setores mais excluídos da sociedade, em prol das mulheres, da negritude e da população LGBT. “A gente acredita que ao fazer política por nós e para nós a gente não beneficia só as mulheres, mas a gente beneficia todo mundo.”
Leda Antunes