Ana Amélia, Kátia Abreu, Manuela D’Ávila e Sônia Guajajara: “Esta é a eleição das mulheres”. Elas compareceram nesta sexta-feira a um evento do EL PAÍS e do Instituto Locomotiva
(El País, 28/09/2018 – acesse no site de origem)
Nem esquerda, nem direita. Na eleição mais polarizada da história recente do Brasil, quatro das candidatas à vice-presidência mostram que quando se trata dos direitos das mulheres, é possível encontrar convergência. Durante evento promovido pelo EL PAÍS e pelo Instituto Locomotiva, Ana Amélia (PP), Kátia Abreu (PDT), Manuela D’Ávila (PCdoB) e Sônia Guajajara (PSOL) — que compõem as chapas, respectivamente, de Geraldo Alckmin (PSDB), Ciro Gomes (PDT), Fernando Haddad (PT) e Guilherme Boulos (PSOL) — afirmaram que em temas como participação da mulher na política, saúde da mulher, empregabilidade e luta contra a violência, não há espaço para retrocessos.
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Longe do tom de animosidade que domina as campanhas de seus partidos, as candidatas assinaram uma carta compromisso da Plataforma Brasil 50-50, da ONU Mulheres, em que se comprometem a fortalecer a participação política feminina. As estratégias das candidatas para conseguir estas metas podem até ser diferentes, dependendo de sua história de vida e posição ideológica, mas o objetivo é o mesmo: defender a democracia. Aqui estão os principais pontos de convergência:
Luta pela igualdade salarial entre homens e mulheres
O salário médio da mulher é 76% do salário médio do homem, segundo pesquisa do Instituto Locomotiva. Todas reconheceram as dificuldades de implementar as leis ou práticas para garantir igualdade.
Ana Amélia: “Esse tema está muito relacionado ao setor privado, porque no setor público as cotas já são bem distribuídas. Penso que seja muito melhor educar do que punir. Incentivar que as empresas que promovem a equiparação salarial tenham mais oportunidades. Esse é o melhor caminho para educar o empresariado brasileiro”
Kátia Abreu: “Normalmente as leis são postas na Constituição ou em outros espaços, mas não são fiscalizadas. Nós vamos cobrar a comprovação contábil das empresas sobre a equiparação salarial. Nós queremos criar um selo de reconhecimento às empresas que primeiro forem atendendo a esse quesito legal”
Manuela D’Avila: “A construção da igualdade passa por um conjunto de medidas. Uma preocupação central nessa etapa do desenvolvimento do Brasil tem relação ao mercado de trabalho. Quando o Estado falta, quem cuida da criança é a mulher sozinha. Criação de creche, igualdade salarial e revogação da reforma trabalhista. Com CLT, já tínhamos trabalhos mais precarizados, sem ela, as mulheres serão jogadas na miséria”
Sônia Guajajara: “Vamos criar a lista suja do machismo para penalizar empresas que pagam salários diferentes para homens e mulheres como forma de corrigir esse desequilíbrio”
Violência contra a mulher, um fantasma a ser combatido
Cinquenta e sete por cento dos brasileiros conhecem alguma mulher que já sofreu violência doméstica, segundo pesquisa do Instituto Locomotiva. Essa pauta é transversal no discurso das candidatas.
Ana Amélia: “O maior problema é a violência contra mulher, nesse aspecto, a posição brasileira é vergonhosa. Estamos em sétimo lugar no ranking mundial da OMS entre 83 países. Este é o maior problema que nós temos no país: a violência contra a mulher. São Paulo foi o primeiro Estado a instalar delegacias para mulheres. Tivemos também um encontro com a Maria da Penha e percebemos que a questão relacionada ao machismo, à submissão das mulheres está muito vinculada a uma questão cultural e é exatamente talvez aí que resida o nosso maior desafio, é mudar essa cultura de submissão da mulher a vontade do homem”.
Manuela D’Ávila: “A lei Maria da Penha é nova, revolucionária, e exige investimentos públicos para que a mulher seja protegida. Se a gente nacionaliza casos como tráfico, também temos policiais estaduais mais disponíveis para investigar esses crimes de feminicídio”.
Kátia Abreu: “Eu queria deixar aqui a minha solidariedade e a minha admiração pela brasileira Melissa Gentz, agredida brutalmente nos Estados Unidos por um brasileiro que foi preso imediatamente e já está solto, infelizmente, por ter pago a fiança. Mas é a coragem que faz a mudança chegar, então me solidarizo e a parabenizo pela coragem. Ciro Gomes vai dividir a questão da Segurança pública em 3 áreas: Crime Federal, Crime Comum e Crime contra a mulher. Então nós vamos pegar muito pesado com esses infratores e por último a questão da proteção, além da proteção, o fortalecimento psicológico, emocional e profissional para que ela [a mulher] possa se libertar definitivamente”
Sônia Guajajara: “Quero dizer da importância de, em 518 anos, ter aqui uma representação indígena. A gente traz na nossa história aqui um histórico de violência, um histórico de invisibilidade, um histórico de muita violência e de estupro com nossas mulheres. Muita gente chega para mim e diz ‘Sonia, eu também sou indígena. A minha vó era índia, a minha bisavó era índia e ela foi pega a dente de cachorro, ela foi pega a laço’. E muitas pessoas não conseguem medir o quão carregada de violência é essa expressão. Ter hoje uma representação indígena numa chapa presidencial é enfrentar e romper um modelo de desenvolvimento que se preocupa com PIB, que se preocupa com o crescimento econômico, mas não se preocupa com as pessoas que estão morrendo lá nos territórios indígenas, lá nos quilombos. Em 2017, foram 110 indígenas mortos, entre eles uma criança com tiro na cabeça”
Lei de cotas para mulheres, insuficiente, mas necessária
A Lei de Cotas na política para mulheres, sancionada em 2012, era uma das grandes promessas para garantir a representatividade de gênero na política. O resultado, porém, ficou aquém das expectativas. Atualmente, as mulheres ocupam apenas 10% das cadeiras no Congresso.
Ana Amélia: “As mulheres hão de entender que as responsabilidades dessa agenda (participação feminina na política) estão nas mãos delas, que são 52% do eleitorado. Os desafios não são só de governos, mas de toda a sociedade brasileira. A única maneira de mudar é pela via política (…), com políticas públicas para autonomia feminina: creches, garantir igualdade para mulheres negras”.
Kátia Abreu: “Tivemos a lei dos 30% da cota em 2012 e de lá pra cá não adiantou nada. A questão era muito mais econômica e financeira. Mulheres defendem áreas difíceis de ser financiadas, ligadas ao social. Agora com o fim do financiamento privado ficou todo mundo japonês, todo mundo igual (…) [Garantir cotas para número de mulheres eleitas e não de candidatas] é um desafio enorme. Gosto muito dessa ideia, é uma forma de reverter rapidamente. É uma mudança que devemos levar aos candidatos a presidência”.
Manuela D’Avila: “Tenho essa proposta há muito tempo e inclusive sugerimos um período de transição antes de chegar aos 50%. Não adianta eleger qualquer mulher, é preciso eleger aquelas comprometidas com políticas publicas que emancipem a mulher”.
Sônia Guajajara: “Eu tô muito orgulhosa de estar participando de uma chapa numa coligação PSOL e PCB. Uma coligação que tem o maior número de candidatas concorrendo nessas eleições de 2018, é muita presença de mulher, mulher feminista e também é o partido que mais tem aí a presença da diversidade”.
Sem retrocesso na legislação do aborto
Mesmo atuando em campos ideológicos distintos, a candidata Ana Amélia (direita) e a candidata Sônia Guajajara (esquerda) concordaram que não é possível retroceder na legislação do aborto.
Ana Amélia: “O STF está examinando a questão do aborto, e a palavra deles vai esclarecer a questão. Defendo a Constituição e já tem lá três casos em que o aborto é permitido. Acho que a lei deveria ser modificada e que as mulheres que abortam não deveriam ser presas, mas realizar trabalhos sociais”.
Sônia Guajajara: “Ninguém é a favor do aborto, o que a gente defende é a vida das mulheres. O estado tem a obrigação de oferecer um atendimento gratuito e de qualidade. [O aborto seguro] tem que ser uma obrigatoriedade do Estado”
A polarização é nociva para o desenvolvimento, mas…
Três candidatas comentaram sobre a polarização no Brasil, só que tiveram dificuldades em apresentar ações concretas para unir o país e garantir governabilidade.
Ana Amélia: “Geraldo Alckmin é um médico que conhece as dores de São Paulo. É um candidato de centro que quer pacificar o país. É homem de diálogo, respeita as mulheres, desenvolveu ações para as mulheres em São Paulo: Temos que ter um país com mais diálogo”.
Kátia Abreu: “Precisamos perguntar se não estamos imitando o ‘coiso’ ou o ‘vice-coiso’ [como se refere a Jair Bolsonaro e a seu vice General Mourão]. O PT ainda está com as feridas abertas do impeachment. O Brasil precisa de uma convergência não para uma política de centro, mas por uma pacificação do país. Chega de coxinha e mortadela, vamos trazer o Brasil para a paz. A discussão entre eles é ótima para as universidades, mas no governo devemos buscar saúde, educação…”
Manuela D’Avila: “A origem disso se deu no contexto antes do impeachment. Como vamos fazer isso? Com um projeto de crescimento. Não se resolve isso no grito nem falando palavrão, mas construindo pontes a partir de um programa. E nós temos isso. As mulheres sabem da falta dos investimentos públicos nas suas vidas”.
Esqueçam a vice decorativa: essa é a eleição das mulheres
As candidatas mostraram, ao comentar suas trajetórias políticas, as dificuldades de se firmarem em um ambiente tão masculino e, assim, expuseram a emergência de mudar esse cenário. O fato de que quatro mulheres foram escolhidas como vice candidatas é considerado um grande avanço, mas elas garantem que não têm intenção de ser decorativas.
Ana Amélia: “Ter quatro mulheres candidatas a vice atualmente é um ganho da luta feminina. De várias origens, cada uma dessas mulheres representa um ganho. Foi um avanço extraordinário (…) Já disse ao Alckmin que não serei uma vice decorativa. Temos uma agenda muito voltada para mulher, para mudar essa situação de submissão da mulher ao homem. Vamos aumentar muito a patrulha de Lei Maria da Penha para superar a violência contra mulher, esse é um dos nossos compromissos de campanha”.
Kátia Abreu: “A cada campanha um tema principal se sobressai e, neste ano, a eleição é das mulheres. A pauta feminina foi impulsionada após a eleição da presidenta Dilma Rousseff. Ajudou a vir à tona os números terríveis de violência contra a mulher”.
Manuela D’Ávila: “As mulheres não são todas iguais, elas pensam diferente. Pra trás a gente só anda para pegar impulso. Meu pai me ensinou assim, então retroceder não (…) Mulheres têm papel ativo com o voto e lutam por mais espaço há muitos anos. Essa eleição apenas deu visibilidade a causas que são nossas há muito tempo. De certa maneira, sim, este ano é uma eleição das mulheres. As candidatas a vice não foram colocadas nesses postos pelos partidos, esse espaço foi conquistado”.
Sônia Guajajara: “Temos quatro estados com mulheres com cabeça de chapa. Estamos tentando superar essa história de vice. Estamos pleiteando uma participação compartilhada. Nós estamos aqui também para superar a ausência da diversidade na política. Não só no Congresso, mas também no poder Executivo. A culpa talvez não seja nossa, mas da imprensa, que valoriza o homem que está na cabeça de chapa, mas não dão espaço pra gente. Eu não estou de maneira nenhuma como vice decorativa de Guilherme Boulos. Estamos pleiteando uma participação compartilhada”.
Beá Lima, Beatriz Jucá e Regiane Oliveira