O ciúme é um dos grandes motivadores da violência contra a mulher. Além de transformações culturais, é importante identificar quando esse sentimento está desregulado em uma relação
(Manuela Stelzer/Gama) “Ângela Diniz foi assassinada com quatro tiros numa casa na Praia dos Ossos, em Búzios, pelo então namorado Doca Street, réu confesso. Mas, nos três anos que se passaram entre o crime e o julgamento, algo estranho aconteceu. Doca tornou-se a vítima.” A descrição do podcast Praia dos Ossos, da Rádio Novelo, ilustra bem como o ciúme tem o poder de desvirtuar um feminicídio. Durante o caso emblemático, no final dos anos 1970, o argumento da legítima defesa da honra foi usado: como se Doca, provocado por uma mulher que fugia aos padrões da época, tivesse o direito de matá-la.
Por mais que hoje, aos olhos da justiça brasileira, essa alegação seja considerada inconstitucional, o ciúme entra como um dos grandes motivadores para a violência contra a mulher. Um relatório da SSP (Secretaria de Segurança Pública) mostrou que 82% das vítimas de feminicídio no Distrito Federal, entre 2015 e 2018, foram mortas por um parceiro (ou ex) enciumado. Ao jornal O Globo, o psiquiatra e psicanalista Tiago Mussi diz: “Em vez de uma questão de costumes, sob alguns desses casos atrozes de feminicídios às vezes jaz uma questão de ciúme patológico”.
Claro que nem todo ciúme é doentio, agressivo e desregulado. “É uma emoção normal, tão humana quanto o amor, o medo. É encontrada em diferentes culturas, é sentida pelas crianças, pelos animais”, explica a psicóloga clínica Adriana Juppen. Segundo ela, o problema é a desregulação dessa e de qualquer outra emoção, que leva a reações hostis. “O ciúme traz no pacote raiva, ansiedade, impotência, ressentimento, desesperança. É uma gama de emoções que também podem estar na equação de uma agressão.”