(El País, 29/10/2014) Karen O’Connor, advogada, doutora em Ciência Política e fundadora do Instituto de Mulher e Política em Washington, reconhece que o elevado número de candidatos nas eleições legislativas de 4 de novembro nos Estados Unidos torna praticamente impossível conhecer todos os nomes no momento da votação. A lista de candidatos a prefeito, governador, senador ou procurador-geral afasta os cidadãos do voto. A baixa participação que costuma caracterizar as eleições legislativas, especialmente entre as mulheres, tornou-se um verdadeiro desafio para os candidatos democratas, conscientes de que precisam de seu voto para ganhar.
Exemplo disso foi o evento da semana passada em Nova York, onde a ex-secretária de Estado e possível candidata à presidência em 2016, Hillary Clinton, apoiou a candidatura do governador de Nova York, Andrew Cuomo, que fazia campanha com argumentos sob medida para o eleitorado feminino. Clinton encorajou o eleitorado feminino a criar um “movimento” para eleger as mais de 100 mulheres que aspiram a uma cadeira na Câmara de Representantes.
“Não me ocorre uma maneira melhor de fazer o Congresso trabalhar em favor das famílias americanas do que elegendo todas elas”, afirmou Clinton em Washington recentemente. O Partido Democrata também impulsionou a candidatura de duas mulheres em duas cadeiras imprescindíveis para manter a maioria no Senado: Kentucky e Georgia.
O desafio é grande. As mulheres tendem a votar menos na convocatória que nas presidenciais, apesar de, conforme alertam muitos candidatos, haver muito mais em jogo. Para convencê-las, os democratas apostam em dois argumentos de campanha: a igualdade salarial e os direitos reprodutivos, dois temas que ajudaram na reeleição de Obama em 2012.
“Se os democratas quiserem vencer as eleições, precisam convencer as mulheres a irem às urnas”, explica O’Connor. A propaganda de muitos candidatos deixa isso evidente. “Ninguém pode culpar vocês por olhar num calendário para ter certeza de que estamos em 2014”, afirma Mark Udall, candidato ao Senado por Colorado, em sua propaganda eleitoral. “Por que continuamos debatendo o direito ao aborto ou o acesso aos anticoncepcionais? Esses direitos são seus e eu não deixarei que lhe neguem isso”.
Udall procura, como outros membros de seu partido, refrescar a memória das eleitoras. Os exemplos do impacto que teriam novas nomeações republicanas não estão longe. Nos últimos quatro anos, uma avalanche de leis limitou o direito ao aborto em numerosos Estados, os avanços da reforma sanitária para o acesso aos anticoncepcionais sofreram restrições legais e judiciais – como a última sentença do Supremo Tribunal – e a igualdade salarial entre homens e mulheres continua sem ser cumprida.
O eleitorado feminino está tradicionalmente mais próximo das posturas democratas em questões de economia. Segundo uma pesquisa recente do The Wall Street Journal, 51% das mulheres prefere uma maioria democrata na Câmara, em comparação com 37% dos homens. A história, entretanto, faz os democratas lutarem contra a corrente: a participação nas legislativas costuma ser dominada por setores do eleitorado mais branco, mais velho e mais rico.
A esperança dos democratas fica reduzida assim a um grupo de eleitoras muito concreto: as mulheres solteiras. Metade das americanas com mais de 18 anos não se casou. Uma em cada quatro eleitoras vem desse grupo, que cresceu 19% na última década, de 44,8 milhões para 53 milhões, segundo o Centro de Participação Eleitoral – em comparação com um aumento de 7% das mulheres casadas no mesmo período. E as solteiras também formam um dos grupos que mais apoiam os democratas, atrás apenas dos afroamericanos.
Entretanto, votam com menos frequência: sua participação baixou 20% entre as presidenciais de 2008 e as legislativas de 2010. Conscientes desse obstáculo, os democratas incorporaram neste ciclo eleitoral muitos mais argumentos econômicos. Segundo uma pesquisa recente do jornal The Washington Post, quando um candidato defende o aumento do salário mínimo, tem 54% mais probabilidade de ganhar o voto das mulheres, frente a 46% dos homens. O trunfo do salário mínimo pode ser decisivo “porque significa muito para as mulheres”, diz Jared Bernstein, pesquisador do Center on Budget and Policy Priorities. “As principais beneficiadas seriam mulheres jovens, muitas delas com filhos, porque são as que têm esses trabalhos”.
O discurso sobre a igualdade salarial compensa, nesse caso, a falta de calado da recuperação econômica entre as mulheres. Jared Bernstein, ex-assessor do vice-presidente Joe Biden, explica que a falta de otimismo de muitas eleitoras se deve, em parte, a uma perspectiva diferente sobre as oportunidades às quais têm acesso. Enquanto o desemprego dos homens maiores de 20 anos caiu de 7% para 5,3% no último ano, no caso das mulheres estava em 6,2%, comparado com os atuais 5,5%.
“Os setores da economia que mais sofreram eram de ocupação principalmente masculina e esses se recuperaram lentamente”, explica Bernstein, mas as mulheres continuam prevalecendo em atividades remuneradas com salário mínimo. “A maioria das famílias de um só progenitor é de mães solteiras, seus salários estão congelados e sua situação é muito mais difícil”.
Para O’Connor, o principal desafio para convencer as mulheres a votar, especialmente as mais jovens, não é só econômico: “Estão convencidas de que a discriminação não existe mais”. A professora pertence à primeira geração de universitárias beneficiadas pela lei que proibiu a discriminação por gênero, em qualquer instituição educativa, em 1972. Sua surpresa em conversas com mulheres mais jovens retrata a magnitude do desafio dos democratas com essa parcela do eleitorado. “Elas ainda não se deram conta de que se ganharem anualmente 5.000 dólares a menos que seus companheiros, dentro de 20 anos a quantidade será muito mais significativa”.
Cristina F. Pereda
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