Seja mulher, por Zélia Duncan

16 de agosto, 2016

(O Globo, 16/08/2016) Crescemos ouvindo em tudo que é canto a frase “seja homem”

Crescemos ouvindo em tudo que é canto, em momentos de crise ou de brincadeira, a frase “seja homem”. Até nós, mulheres, quando alguém queria ou quer nos encorajar, corremos o risco de ouvir esse “estímulo”. Pois bem, assistindo aos primeiros jogos de futebol, lembrei dessa expressão.

A seleção feminina sempre foi desmerecida e a menina abandonada do esporte, principalmente se fizermos a inevitável comparação. As que conseguem ter visibilidade, tratam logo de sair correndo do Brasil, para poderem driblar o descaso e viver de sua profissão. Como crianças que precisam de lares e novas famílias que as adotem e lhes tratem com o amor e a dignidade que merecem. Quem nos deu Marta de presente, foi a Suécia, que a “resgatou”, quando tinha ainda 14 anos, para nos revelar a melhor do mundo. E foi justamente contra a “mãe adotiva”, que nossas meninas de carne e osso, comandadas por Marta, deram aula de garra, técnica e seriedade. Mesmo que nos anos que antecedem às Olimpíadas, não tenhamos muito conhecimento do que elas andam fazendo pra viver e crescer como atletas, elas renascem das cinzas e com a dignidade de quem tem um filho pra botar no mundo, consideram fundamental cada minuto em campo e acreditam em todo lance.

Ver 40.000 pessoas botando a seleção feminina no colo foi tão libertador e merecido, que quase não combina com tanta injustiça que andamos vivendo. Elas têm “sangue nos olhos” e quando a bola encontra a rede, o sorriso mais olímpico que vimos até agora no gramado. Sorriso de quem joga com amor urgente, de quem não tem tempo a perder, porque sabe que a vida é agora.

Será que os meninos assistiram? Devia ser video-aula para cada um. Imaginem se elas tivessem as mesmas condições e vibração o ano inteiro! Imaginem se tivessem um campeonato decente em casa! Nem queria falar em dinheiro, porque este destrói muita coisa, como temos visto. Um dos meninos já foi vendido por 100 milhões e estava lá, correndo de um lado pro outro, mas saiu com os bolsos vazios de resultado. Fico revoltada, sim, de ver Neymar desestimulado e sem alegria. Ei, Neymar, seja mulher!

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