Economia sexista aprofunda a desigualdade mundial, diz pesquisa da Oxfam

20 de janeiro, 2020

Segundo ONG britânica, sistema econômico ignora o trabalho de cuidar de pessoas, feito principalmente por mulheres

(O Globo, 19/01/2020 – acesse no site de origem)

SÃO PAULO — Em 2019, os 2.153 bilionários do mundo detinham mais riqueza que 4,6 bilhões de pessoas — o equivalente a 65% da população global, estimada em pouco mais de 7 bilhões. Segundo um relatório da ONG britânica Oxfam, que será divulgado hoje, véspera da abertura do Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça, a desigualdade econômica está fora de controle. Uma das principais razões para aprofundar o fosso entre ricos e pobres, aponta o trabalho, é um sistema econômico mundial sexista.

“As tarefas diárias de cuidar de outras pessoas, cozinhar, limpar, buscar água e lenha são essenciais para o funcionamento da economia. A desigual responsabilidade desse trabalho, que recai sobre as mulheres, perpetua as desigualdades de gênero e econômicas”, afirma o estudo da Oxfam, baseado em dados do relatório Global Wealth, do banco Credit Suisse.

Para a diretora da Oxfam Brasil, Katia Maia, esse trabalho invisível feito pelas mulheres precisa ser reconhecido por governos e empresas. É essa atividade, sustenta ela, que garante o funcionamento da sociedade e ajuda no crescimento da economia, mas com mão-de-obra mais barata ou gratuita:

— São pelo menos 12,5 bilhões de horas de trabalho gratuitas, todos os dias, além de mais horas recebendo uma remuneração baixíssima por essa atividade, que estado e empresas ignoram. Governos e empresas precisam realizar um processo reeducativo da sociedade para que esse trabalho seja reconhecido, especialmente no Brasil, de tradição escravocrata, onde as mulheres negras continuam exercendo esse tipo de atividade sem remuneração ou como empregadas domésticas.

Mulheres fora do mercado

No Brasil, diz a diretora da Oxfam, o trabalho de cuidar das pessoas é 90% feito por familiares — mas é a mulher que exerce 85% dessa atividade, totalmente informal. Essa informalidade, frisa Katia, significa a ausência do Estado, pela oferta insuficiente de creches para cuidar das crianças ou de um sistema de saúde adequado para atender idosos ou pessoas com problemas crônicos.

Estimativa da Organização Internacional do Trabalho mostra que até 2050 haverá 100 milhões a mais de idosos e 100 milhões a mais de crianças de 6 a 14 anos no mundo, aumentando a necessidade de cuidadores. Em países como o Brasil, com a redução de recursos para políticas sociais, diz Katia, é preocupante.

As mudanças climáticas, tema que está no centro da discussão mundial e será debatido em Davos, tendem a piorar as condições de trabalho das chamadas cuidadoras, mostrou o relatório da Oxfam. Estima-se que até o ano de 2025, 2,4 bilhões de pessoas poderão viver em áreas sem água suficiente. Isso significa que mulheres e meninas serão obrigadas a caminhar distâncias cada vez maiores para encontrar água.

Para a Oxfam, nesse cenário difícil, a mulher acaba alijada de posições mais relevantes no mercado de trabalho. Em todo o mundo, 42% das mulheres em idade ativa estão de fora do mercado. Entre os homens, a fatia é de 6%. Dentre os cuidadores, os trabalhadores domésticos são uma das categorias mais “exploradas do mundo”. Apenas 10% das trabalhadoras domésticas são protegidas por leis trabalhistas.

— Vemos casos de empregadas de origem de países em desenvolvimento que são levadas para trabalhar na Inglaterra, com jornada de mais de 12 horas. O trabalhador doméstico é um dos mais desprotegidos do mundo e esse trabalho é executado em sua maioria por mulheres — observa Katia.

Outro ponto que amplia a distância entre pobres e ricos é o “colapso da tributação dos super-ricos” que detêm as grandes fortunas, recebem dividendos de suas empresas e perpetuam suas fortunas pelas heranças. Apenas 4% das receitas globais fiscais são oriundas da tributação da riqueza. De 2011 a2017, o salário médio nos sete países mais ricos do mundo subiu 3%, já os dividendos pagos a acionistas majoritários de companhias nessas nações cresceram 31%.

— Na renda, o trabalhador paga imposto de renda na fonte. Nos dividendos, os acionistas mais ricos não são tributados. O Brasil, que discute a reforma tributária, não tributa lucros e dividendos. É um absurdo que não se tribute lucros, dividendos, heranças, que acabam perpetuando novas aristocracias. Também é importante que o Imposto de Valor Agregado (IVA), em debate na reforma, tenha progressividade para que o mais pobre pague menos imposto — explica Katia.

O relatório cita os governos de EUA e Brasil dentre as lideranças que “propõem políticas que reduzem impostos para bilionários, dificultando o enfrentamento da emergência climática ou acirrando o racismo, o sexismo e o ódio por minorias”.

— O governo Jair Bolsonaro tem um conservadorismo cultural, que perpetua a ideia de que cuidar de pessoas não é trabalho — diz a executiva.

Procurado para comentar, o governo não respondeu.

Por João Sorima Neto

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